quarta-feira, 2 de maio de 2012


Saudade

O céu abriu-se e martelou a terra, bombardeando um tapete de poças silenciosas, como a memória bombardeia mentes silenciosas. A erva pareceu satisfeita no seu verde húmido…. A chuva começou a bater nas vidraças e o vento a assobiar com ritmo. Ela permaneceu sentada a olhar o vazio, as lágrimas escorriam-lhe por trás dos óculos e tremiam-lhe no queixo como gotas de chuva no beiral. Aquela dor doía--lhe bem fundo. O rosto parecia pedra, mas as lágrimas continuavam a rolar pelas faces rigidas. O seu coração transbordava de saudade, uma saudade sem resposta e por isso se transformava num pequeno rio a brotar dos seus olhos.

Mas de súbito bateram à porta e ela ficou alguns segundos sem se mexer, sentia-se tão rigida que nem sabia se era capaz de se levantar. Voltaram a bater e então ela deu um salto e arrastou-se finalmente.

Com uma carta na mão, tremia dos pés à cabeça, hesitante entre o abri-la ou se sentar primeiro. E assim demorou mais uns minutos, trémula de hesitação, amedrontada pela expectativa do seu conteúdo. Sentou-se primeiro, acomodou-se, ajeitou os óculos, suspirou ….Entretanto a chuva parou, o vento amainou e os olhos dela secaram, na esperança de voltarem a sorrir.

Aquela carta, já aberta, tremia-lhe nas mãos, tanto que nem conseguia ver uma linha direita sequer…..e só quando o seus olhos poisaram naquela linha mais curta que as restantes, naquelas duas breves palavras…. ela conseguiu continuar a ler.

Lá fora a chuva tinha parado e até o Sol voltava a espreitar de encontro à janela. Um passarinho poisava e chilreava no parapeito da janela. O seu rosto já não estava rigido, porque dos seu lábios surgia agora um sorriso….Já conseguia ler tudo…mas o seu olhar ficava parado e deliciado apenas naquelas palavras mágicas: Amo-te mãe!

Maria Dias
Maio 2012

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