sábado, 28 de julho de 2012


O mistério

As palavras daquela canção explodiram-lhe na cabeça. Algo se agitou dentro de si, fechou os olhos e lembrou-se dela….onde andaria? Porque teria partido sem nada dizer?  Encostada à porta, sentiu o sonho, ou melhor um pesadelo, agitar-se dentro de si  como um friso de água surgindo do oceano, avolumando-se numa onda. Nunca iria compreender porque a sua irmã tinha partido sem uma explicação. Deixou que o seu pensamento divagasse por entre as recordações que aquela canção arrebatara aos lugares recônditos da sua memória. Como tinham sido felizes e inseparáveis enquanto crianças, adolescentes e mais tarde mulheres, por isso não entendia o que se tinha passado.

Divagando entre os pensamentos, de repente apercebeu-se que canção acabara e o silêncio profundo tinha-se instalado naquela casa e foi quando lhe pareceu ouvir um barulho vindo do exterior. Parecia-lhe um  gemido, talvez fosse um animal ferido.

Abriu  a  porta  para  ver o que se  passava e  foi  quando  ouviu  um  choro de  um  recém-  -nascido. Deu a volta à casa, e nas traseiras deparou-se com  uma alcofa. As pernas tremíam-lhe e aquela sensação de ansiedade e de temor, fê-la parar, hesitante em avançar.

Mas entretanto decidiu-se. Deparou-se com um bébé que choramingava, tentou pegar-lhe e o choro transformou-se num sorriso. Um sorriso que lhe parecia familiar. Pegou na alcofa e levou para dentro de casa, ainda com as pernas a tremer, parecendo-lhe estar a viver uma cena de um filme.

Não estava a perceber o que estava a acontecer e foi então que reparou num envelope que estava dentro da alcofa. Uma carta, reconheceu a letra de imediato.

Começou a lê-la, as mãos trémulas, os olhos a começarem a embaciar-se, como o horizonte se embacia numa demorada penumbra. Mas os olhos acordam prostrados e contagiam o resto do corpo.

Tem que se sentar para continuar… começa a perceber que aquela criança é sua sobrinha, mas a razão de estar ali não entende…. Continua a leitura, mas com dificuldade, a carta começa a ficar molhada e as letras a sumirem… Não percebia bem aquilo que estava a ler. Parecera-lhe profundo, embora essa profundidade fosse turva e ela nada conseguisse ver nela…

Porque seria que a irmã lhe entregara a filha sem nunca lhe ter contado nada sobre a sua existência? Elas que sempre foram tão unidas como foi capaz de lhe esconder uma coisa tão importante? E agora deixá-la com tanta responsabilidade?

Tinha que concluir a carta para perceber. Finalmente entendeu. A irmã estava doente, isolou-se, teve aquela filha que agora sabia não poder educar. Não conseguiu encarar a irmã, mas sabia de antemão que ela não lhe viraria as costas e que tomaria conta da Carolina.

Os seus sentimentos não precisavam de motivos, nem os desejos de razão, pensou que tinha que atender o pedido da irmã.

Aliás, esta criança continuaria a ligá-las para sempre!


Maria Dias
Julho 2012

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