Do
outro lado do espelho
Acabou.
O espectáculo acabou. Ela regressa ao camarim e antes de se despir, senta-se em
frente ao espelho.
A
imagem que vê reflectida é a de uma boneca, boca em forma de coração, sardas, e
tranças espetadas. Os olhos, esses ainda trazem um pouco da magia do
palco.
Mas pouco a pouco vão
atraiçoando aquele rosto de boneca e acabam por não condizer com a expressão de
marioneta. Começa por desfazer as tranças, desmaquilha-se e aqueles olhos
finalmente começam a encaixar no rosto da nova personagem.
Pena
que esta personagem seja a verdadeira, a do mundo real. Duas lágrimas deslizam
pelo rosto meio desmaquilhado, um rosto ainda entre a marioneta e a personagem
real. Ela queria continuar em palco a vida inteira, dar àquelas crianças o seu
amor, vê-las sorrir e ficarem encantadas com aquele mundo de magia. Aquele
mundo que, por momentos, a faz esquecer a sua solidão, a sua dor.
Mas
a realidade está sempre do outro lado do espelho, uma realidade amarga, que já
reflecte a imagem de uma mulher triste, com olhar vago e distante.
Ah
como daria tudo para, quando se levantasse amanhã e olhasse de novo no espelho,
visse apenas a imagem da boneca que a faz feliz, aquela imagem que faz vibrar
os corações das crianças, porque em cada rosto de uma criança a sorrir, ela vê
o sorriso da filha que perdeu.
Maria Dias
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