sexta-feira, 28 de outubro de 2016

POESIA SÍRIA
de Nizzar Qabban

O meu filho coloca a sua caixa de pintura à
minha frente
e pede-me que lhe desenhe um pássaro.
Mergulho o pincel na cor cinzenta
e traço um quadrado com fechaduras e grades.
Os seus olhos enchem-se de surpresa :
" - Mas isso é uma prisão, pai,
Não sabes desenhar um pássaro? "
E eu digo-lhe: " Filho, perdoa-me.
Esqueci-me da forma dos pássaros. "
O meu filho coloca o livro de desenhos à minha
frente
e pede-me que desenhe uma espiga de trigo .
Pego num lápis
e desenho uma arma.
O meu filho desdenha da minha ignorância,
perguntando ,
" Pai, não sabes a diferença entre uma espiga
de trigo e uma arma?"
Eu digo-lhe: "Filho,
uma vez usei a forma da espiga de trigo
a forma do pão
a forma da rosa.
Mas nestes tempos duros
as árvores da floresta juntaram-se
aos homens da milícia
e a rosa veste uniformes escuros.
Neste tempo de espigas de trigo armadas
de pássaros armados
de cultura armada
e de religião armada
não se pode comprar pão
sem encontrar uma arma no interior
não se pode colher uma rosa do campo
sem que os seus espinhos nos arranhem o rosto
não se pode comprar um livro
que não vá explodir entre os nossos dedos. "
O meu filho senta-se à beira da minha cama
e pede-me que recite um poema.
Uma lágrima cai dos meus olhos para a almofada.
O meu filho apanha-a , surpreendido, dizendo:
" Mas esta é uma lágrima, pai, não é um poema! "
E eu digo-lhe :
" Quando cresceres, meu filho,
e aprenderes o ' diwan ' da poesia árabe
descobrirás que palavra e lágrima são gémeas
e que o poema árabe
não é mais do que uma lágrima chorada por dedos que escrevem."
O meu filho pega nos seus pincéis,
a caixa de pinturas à minha frente
e pede-me que lhe desenhe uma pátria.
O pincel treme nas minhas mãos
e eu afundo-me , chorando.

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