segunda-feira, 10 de abril de 2017

António Lobo Antunes

É da tua mão que eu preciso agora.

Há momentos, sabes, em que me sinto tão cansado,todos estes dias cheios de palavras que me fogem.Então penso em ti :Joana.

Penso: vou contar-te uma coisa.

Há pouco tempo morreu a filha de um amigo meu, um homem generoso e bom, melhor do que alguma vez fui. Um cemitério é um lugar horrível. 

Depois de tudo acabar voltei para o automóvel. Eram muitos passos nas veredas a voltarem para os automóveis.O caixãozinho branco. Aquelas árvores que tu conheces de quando a gente há dois anos. Despedi-me das pessoas um pouco só acaso, sem sentir os dedos que apertava:têm tantos dedos as pessoas.

Nem me lembro porquê abri a mala do carro.Estavam lá dentro coisas tuas de Espanha: batas, papéis, as inutilidades confusas que estás sempre a juntar. Peguei numa das batas e abracei-a.E desatei num choro de menino,de cabeça inclinada para a mala do carro na esperança de que não me vissem. Depois limpei o nariz à manga, nunca perdi o hábito de enxugar o nariz à manga, engoli-me a mim mesmo e vim-me embora.

Sempre que me sento no teu carro lembro -me de ti. Também me lembro quando não me sento no carro mas sempre que me sento no carro lembro -me de ti. De ti e de Malange onde começaste a ser, e as mangueiras tremem-me no interior do sangue.

Mas é da tua mão que preciso agora.  Há momentos em que me farto de ser homem: tudo tão pesado, tão estranho, tão difícil. Eu vou tendo paciência e no entanto, às vezes as coisas magoam, há ideias que entram na gente como espinhos. Não se podem tirar com uma pinça:ficam lá.

É então que a cara principia a estragar-se Eva gente dizem envelhece.

É da tua mão que eu preciso agora

Segundo Livro de Crónicas.



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