domingo, 10 de dezembro de 2017

Poema aos homens constipados

Pachos na testa, terço na mão, 
Uma botija, chá de limão, 
Zaragatoas, vinho com mel, 
Três aspirinas, creme na pele 
Grito de medo, chamo a mulher. 

-"Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer. 
Mede-me a febre, olha-me a goela, 
Cala os miúdos, fecha a janela, 

Não quero canja, nem a salada, 
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada. 
Se tu sonhasses como me sinto, 
Já vejo a morte nunca te minto, 
Já vejo o inferno, chamas, diabos, 

Anjos estranhos, cornos e rabos, 
Vejo demónios nas suas danças 
Tigres sem listras, bodes sem tranças 
Choros de coruja, risos de grilo 

Ai Lurdes, Lurdes fica comigo 
Não é o pingo de uma torneira, 
Põe-me a Santinha à cabeceira, 
Compõe-me a colcha, 
Fala ao prior, 

Pousa o Jesus no cobertor. 
Chama o Doutor, passa a chamada, 
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada. 
Faz-me tisana e pão de ló, 
Não te levantes que fico só, 

Aqui sozinho a apodrecer, 
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer". 


António Lobo Antunes 
Sátira aos HOMENS quando estão com gripe)



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