quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

POEMA AOS HOMENS CONSTIPADOS
Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer
António Lobo Antunes - (Sátira aos HOMENS quando estão com gripe)


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Viagem em Pensamento

  
Esta é a viagem 
que mais gosto de fazer
nem preciso de passagem 
e está sempre a acontecer 

Embarco no passado
e vou onde eu quiser...
sem pressas e sem bagagem
aí visito a minha infância
num calmo e doce reviver
e nem importa a distância

Instalo-me no hotel das Histórias
que fica na Rua das Memórias
é um hotel com muitas estrelas
lindo, mas sem portas nem janelas

Perco me por aqui e por ali
e,  quando preciso voltar
trago em mim tudo o que vivi
para uma história contar 

Agora tenho que ir
para mais uma viagem
- alguém quer vir?
Já sabem
Não é preciso bagagem 


(Escrito para o Boa Noite Viagem)
Janeiro 2017

   
Maria Dias






O mar dos meus olhos

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes...
e calma.

Sophia de Mello Breyner Andresen