sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

E amanhã na festa de aniversário da Editora Lua de Marfim, vai ser o lançamento da Antologia "No Mundo da Lua", na qual tive o privilégio de contribuir com um texto, que vou partilhar:




“No mundo da Lua”

A frase que mais ouço é esta: “Andas sempre com a cabeça no mundo da Lua”. Quero lá saber do que dizem. Nunca me iriam compreender.  O que os outros não sabem, é que quando viajo até ao mundo da lua, sonho muito de olhos abertos, viajo muito, mas as minhas viagens não são as mais comuns. Viajo para dentro de mim mesma, viajo no tempo.
Quando eu estou “no mundo da Lua”, fico no silêncio, fecho os olhos e aí estou pronta para partir.
Vou de viagem, uma viagem especial, uma viagem ao passado. Uma viagem que dura o tempo que eu quiser. Deixo o meu pensamento divagar por entre as recordações, até aos lugares mais recônditos da minha memória.
O vagar chega-me a cada lembrança, sinto o início de um sorriso. É um assalto aos meus sentidos, que desperta em mim momentos da minha infância. Até nem precisava de fechar os olhos para ver tudo, para receber aquele tempo, já sinto os cheiros, avanço devagar como se fosse o presente, o presente absoluto, com a idade daquele instante, como se estivesse lá. Então, estou pronta para reviver o momento, descanso os olhos no que me rodeia.
Vejo a minha avó na cozinha, mulher pequenina, mas sempre cheia de energia, ostentando aquele ar de luminosa serenidade. Está de volta dos cozinhados e aí sinto aquele cheirinho tão bom da sua comida: “Oh vó o que é o jantar? Por mim, podes fazer todos os dias o teu frango assado, ou o teu arroz de bacalhau”. Hummm até sinto o paladar dos seus cozinhados….
Todas estas sensações aliam-se ao aroma do café acabado de fazer, levando a que naquele instante a vida até pareça simples.
O cheiro da erva aquecida pelo Sol, entra pela casa e enche o ar. São estes os cheiros que me transmitem paz e segurança.
Pela tarde, da janela observo a avó no jardim, falando com as plantas, e penso na beleza que é, ela deixar-se fascinar pelas coisas mais simples da vida. Vejo-a sorrir, um sorriso rasgado que demonstra felicidade.
Ah mas agora fico ansiosa pelos serões. Esses momentos tão intensos passados à volta daquela mesa com a “braseira”…..as histórias da avó, cheias de mistério, lendas de encantar que fazem a minha cabecinha sonhar… e só quando os olhos já não querem continuar abertos eu cedo a ir para a cama.
A magia daqueles momentos trazem-me memórias tão ternas, tão intensas, como se estivesse lá neste momento, com a mesma idade, com os mesmos sentimentos, e o melhor de tudo, é a sensação tão real de estar com a minha avó ao meu lado.
Mesmo que as palavras se misturem e atirem ao ar o livro da vida e as páginas se baralhem, jamais podendo voltar a ser ordenadas de modo a contar a mesma história, tenho memórias vividas, que me fazem feliz.
Então estou pronta, matei a saudade e levo em mim aquilo que sou. Posso regressar dessa viagem, ainda com aquela criança em mim. Sabem, o passado, os laços da família constituem aquilo que somos. Todas as pessoas são moldadas por elementos que não se podem controlar, traços herdados, traços aprendidos.
E chego à conclusão que, por vezes, é tão irresistível, ter a cabeça “no mundo da lua”.

Maria Dias

Novembro 2013

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

E como dizem que hoje é o dia da saudade, recordo um texto sobre a Saudade:

O céu abriu-se e martelou a terra, bombardeando um tapete de poças silenciosas, como a memória bombardeia mentes silenciosas. A erva pareceu satisfeita no seu verde húmido…. A chuva começou a bater nas vidraças e o vento a assobiar com ritmo. Ela permaneceu sentada a olhar o vazio, as lágrimas escorriam-lhe por trás dos óculos e tremiam-lhe no queixo como gotas de chuva no beiral. Aquela dor doía--lhe bem fundo. O rosto parecia pedra, mas as lágrimas continuavam a rolar pelas faces rígidas. O seu coração transbordava de saudade, uma saudade sem resposta e por isso se transformava num pequeno rio a brotar dos seus olhos.

Mas de súbito bateram à porta e ela ficou alguns segundos sem se mexer, sentia-se tão rígida que nem sabia se era capaz de se levantar. Voltaram a bater e então ela deu um salto e arrastou-se finalmente.

Com uma carta na mão, tremia dos pés à cabeça, hesitante entre o abri-la ou se sentar primeiro. E assim demorou mais uns minutos, trémula de hesitação, amedrontada pela expectativa do seu conteúdo. Sentou-se primeiro, acomodou-se, ajeitou os óculos, suspirou ….Entretanto a chuva parou, o vento amainou e os olhos dela secaram, na esperança de voltarem a sorrir.

Aquela carta, já aberta, tremia-lhe nas mãos, tanto que nem conseguia ver uma linha direita sequer…..e só quando o seus olhos poisaram naquela linha mais curta que as restantes, naquelas duas breves palavras…. ela conseguiu continuar a ler.

Lá fora a chuva tinha parado e até o Sol voltava a espreitar de encontro à janela. Um passarinho poisava e chilreava no parapeito da janela. O seu rosto já não estava rígido, porque dos seu lábios surgia agora um sorriso….Já conseguia ler tudo…mas o seu olhar ficava parado e deliciado apenas naquelas palavras mágicas: Amo-te mãe!

Maria Dias.

Dizem que hoje é o dia da saudade:
Recordo um poema

A minha amiga saudade
Às vezes vem me visitar,
É estranha de verdade
e tão controversa…
que, quando vem para ficar
e se senta à conversa,
às vezes faz-me feliz
ao recordar
bons momentos,
e velhos tempos
que me fazem sonhar.
Outras vezes é cruel,
Lembra-me o que quero perder
E para sempre esquecer,
E dá-me angústia e tristeza
Deixa uma mistura de sentimentos
Aquela amarga incerteza
De perda, falta, distância
Até mesmo agonia,
E como não a posso matar
Quero que ela se vá embora
Daqui para fora
Para esquecer toda a melancolia
E voltar a sentir alegria!

Maria Dias.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Oswaldo Montenegro - Metade



METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer;
Porque metade de mim é plateia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

Oswaldo Montenegro.

domingo, 19 de janeiro de 2014



Eugénio de Andrade faria hoje anos se fosse vivo, mas as suas palavras fazem dele um poeta eterno.
Poema à mãe
Eugénio de Andrade
(19 de Janeiro de 1923 — 13 de Junho de 2005)

No mais fundo de ti, 
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves. 

sábado, 18 de janeiro de 2014

Faz hoje (18.Jan)
30 anos que Ary dos Santos nos deixou... 


O Poema Original 

Original é o poeta 
que se origina a si mesmo 
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Ary dos Santos, in 'Resumo'

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Apesar de todos os obstáculos
E pedras no nosso caminho
Construimos o nosso ninho, 
Feito de lágrimas e sorrisos,
Superando as tristezas,
Vivendo felizes as alegrias,
Ficámos com algumas certezas,
A de saber tolerar,
A de saber perdoar,
A de saber respeitar,
Para lado a lado continuar…
E só assim podermos dizer
Que valeu a pena
Partilhar uma vida
Assim vivida,
E juntos continuar a viver!



Maria Dias

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014


“Todas as cartas de amor são ridículas. 
Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.”
Álvaro de Campos



Cartas de Amor… ah Cartas de amor
São lembranças de outrora,
Os SMS, as mensagens de Amor
São as mais enviadas agora.

Mas hoje, meu Amor, vou escrever
Para os tempos antigos recordar,
Porque não os quero esquecer
Porque te continuo a amar…

Lembras-te das cartas trocadas
Dos sonhos feitos a dois?
Lembras-te das palavras ousadas
E do que construímos depois?

Fica mais esta carta para guardar
Para quando formos velhinhos,
Se continuarmos bem juntinhos
A reler e podermos recordar!

Maria Dias



terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O mar é espaço da nossa identidade colectiva e um horizonte aberto. Descanso os olhos na sua beleza e perante essa imagem abrem-se os meus sentidos e isso acalma-me.
Há uma magia especial que denuncia um sentimento intemporal.
Queria pegar em alguns adjectivos para traduzir a ideia dessa magia, mas não consigo adjectivos que possam definir a sua beleza e o seu efeito na minha mente.
Uma magia que traduz sentimentos controversos: a pequenez perante tamanha imensidão, a serenidade, que se transforma por vezes em ira, que provoca o temor contra a sensação de calma na maioria das vezes transmitida, enfim uma infindável mistura de sentimentos.
E é quando ele demonstra a sua fúria, o seu poder sobre a terra parecendo querer engoli-la que se torna assustador e nos reduz a uma indefesa pequenez.
Talvez seja esse poder, que oscila entre a serenidade e a fúria, que nos transmita uma enorme sensação do mistério que nos rodeia, perante tamanha beleza “O mar”.



Maria Dias