terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Amanhã vai ser assim... a todos desejo essencialmente muita saúde!
Tchim... tchim...

Mais uma página do calendário
Que está quase a virar
Só resta ficar solidário
com o Ano que vai chegar

De repente, num instante fugaz
Os fogos de artifício vêm predizer
Que o Ano Velho fica para trás
E que o Novo Ano está a nascer

As taças se cruzam num tchim tchim
E embriagados de sentimentos
Formulamos votos num frenezim
Só desejando bons momentos

Entre abraços calorosos
queremos os sonhos realizados,
e ficamos todos ansiosos
dos nossos desejos alcançados

A mim, resta-me desejar
A todos nós em união
Que juntos possamos cantar
A mesma canção

Canção de Paz e Amor
Força para a crise superar,
Brindemos com louvor
Ao Ano que vai chegar!

Maria Dias

domingo, 21 de dezembro de 2014

Hoje, o dia mais curto do ano, acaba de chegar o Inverno....

Não gosto do Inverno não…
Fico com saudades do Verão,
Facilmente ficamos enfermos,
Frio, chuva e os dias pequenos.

Saboreando o quentinho da lareira
Lembro a Primavera que virá a seguir,
Fico feliz, e é assim dessa maneira
Que o meu coração volta a sorrir

O Inverno é como o envelhecer,
Mas quando a Primavera é chegada
Tudo, tudo volta a rejuvenescer
Só no ciclo da vida essa alegria é negada.

Maria Dias.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

"É de inocência e deslumbramento o que mais nos falta." 
São Gonçalves.

A inocência é uma criança
De mãos abertas para o mundo,
Com olhar de esperança
E com um amor profundo.

É a doçura na relação humana
Falar sem pensar, amar sem restrição,
É fruto da inocência que dela emana,
É possuir um mundo de imaginação.

Na inocência de uma criança
Há tanta esperança a nascer,
Tanto carinho e confiança,
Vontade e razão de viver.

Pleno mar de ternura
Olhos cheios de candura
De uma inocência sem fim,
Ah como sinto saudades
Daquela criança em mim!

Maria Dias

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Foi este o poema publicado no Poemário 2015, da Editora Pastelarias Studios:


CHUVA DE FLORES

O ameno clima primaveril mudou nessa tarde.
As nuvens, que de manhã se tinham revelado
Pequenos fiapos de algodão, dignos de um postal,
Escureceram,
Os pássaros calaram-se e fugiram da época estival,
O ribombar premonitório de uma trovoada fez-se ouvir
O entardecer apareceu mais cedo, as nuvens essas
Endoideceram,
E o céu começou a roncar e acabou a aplaudir.

Ela queria fugir dali, queria fugir à tempestade
Não teve tempo, a chuva começava a cair,
Mas em vez de gotículas de água, na verdade
Era uma chuva de pétalas de flores…
O ar repleto de cheiros intensos e perfumados
Era um espectáculo de muitas cores,
E os campos estavam todos iluminados.

De repente, um mundo imaginário…
As flores caídas sobre a erva fragmentavam
O Sol em centelhas de carmim,
A beleza e a paz se aliavam,
O assalto aos sentidos feito assim,
Despertou nela algo vindo da infância
Quando aquele cheiro lhe inspirava
Alegria, Amor, Paz e Segurança!



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O CANTINHO DA POESIA, PENSAMENTOS,  CONTOS E OUTROS…..

Dezembro 2014

Natal tempo de renascer

Que em cada um de nós possa nascer ou renascer o poder de amar.
Tempo de reflexão, de repassar um olhar em toda a nossa vida. É que neste Natal não quero essa pavorosa troca de artigos que não se abrem em solidariedade. Não quero saber de cartões a granel, vazios de originalidade. Não quero mais amarguras familiares que se guardam como lixo debaixo do tapete, as ambições que têm asas, mas não voam, Quero sim, evocar as recordações mais ternas: o cheirinho, um abraço terno, partilha...


“Que em cada um de nós possa nascer ou renascer o poder de amar”
“Que em cada um de nós haja o desejo de partilha”


Muitas vezes basta
Ser colo que acolhe,
Braço que envolve
Lágrima que corre,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que comove.












Maria Dias

domingo, 30 de novembro de 2014

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Do outro lado do espelho


Acabou. O espectáculo acabou. Ela regressa ao camarim e antes de se despir, senta-se em frente ao espelho.
A imagem que vê reflectida é a de uma boneca, boca em forma de coração, sardas, e tranças espetadas. Os olhos, esses ainda trazem um pouco da magia do palco. 
Mas pouco a pouco vão atraiçoando aquele rosto de boneca e acabam por não condizer com a expressão de marioneta. Começa por desfazer as tranças, desmaquilha-se e aqueles olhos finalmente começam a encaixar no rosto da nova personagem.
Pena que esta personagem seja a verdadeira, a do mundo real. Duas lágrimas deslizam pelo rosto meio desmaquilhado, um rosto ainda entre a marioneta e a personagem real. Ela queria continuar em palco a vida inteira, dar àquelas crianças o seu amor, vê-las sorrir e ficarem encantadas com aquele mundo de magia. Aquele mundo que, por momentos, a faz esquecer a sua solidão, a sua dor.
Mas a realidade está sempre do outro lado do espelho, uma realidade amarga, que já reflecte a imagem de uma mulher triste, com olhar vago e distante.
Ah como daria tudo para, quando se levantasse amanhã e olhasse de novo no espelho, visse apenas a imagem da boneca que a faz feliz, aquela imagem que faz vibrar os corações das crianças, porque em cada rosto de uma criança a sorrir, ela vê o sorriso da filha que perdeu.



Maria Dias

domingo, 16 de novembro de 2014

Hoje é dia do mar, dizem....

O mar é espaço da nossa identidade colectiva e um horizonte aberto. Descanso os olhos na sua beleza e perante essa imagem abrem-se os meus sentidos e isso acalma-me.
Há uma magia especial que denuncia um sentimento intemporal.
Queria pegar em algumas palavras para traduzir a ideia dessa magia, mas não consigo adjectivos que possam definir a sua beleza e o seu efeito na minha mente.
Uma magia que traduz sentimentos controversos: a pequenez perante tamanha imensidão, a serenidade, que se transforma por vezes em ira, que provoca o temor contra a sensação de calma na maioria das vezes transmitida, enfim uma infindável mistura de sentimentos.
E é quando ele demonstra a sua fúria, o seu poder sobre a terra parecendo querer engoli-la que se torna assustador e nos reduz a uma indefesa pequenez.

Talvez seja esse poder, que oscila entre a serenidade e a fúria, que nos transmite uma enorme sensação do mistério que nos rodeia, perante tamanha beleza “O mar”.

Maria Dias
 

Era perfeito. Sim, esse teu mundo era perfeito. O mundo que fazia parte dos teus sonhos; olhavas o céu e decidias agarrá-lo como se fosse uma tela; depois, pensavas em pintá-lo de muitas cores. Eu sei, sim eu sei, que não gostas da vida a preto e branco. Gostas de cor, de muita cor. Até as gotículas da água da chuva se transformavam em pétalas de flores. Com elas fazias as tintas, os teus dedos eram os pincéis, o céu cobria-se de muitas cores, reflectindo imagens maravilhosas, tornando a terra mais bela. Tu, sentado nas nuvens deliravas com o espectáculo que podias ver; ver, e sobretudo, observar. O ar repleto de cheiros intensos e perfumados, os campos todos iluminados, as flores caídas sobre as ervas que fragmentavam o Sol em centelhas de carmim; os pássaros, esses cantavam canções de embalar, e tu, ficavas nesse teu mundo imaginário, onde todas as imagens cruéis passavam a ser puras e belas, onde a paz e a beleza casavam. O assalto aos teus sentidos, despertava em ti algo vindo da infância, algo que te trazia: Alegria, Paz, Amor e Segurança.


 Maria Dias

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Ficar sozinho é óptimo, mas se sentir sozinho é horrível. Existe uma grande diferença entre estar só e se sentir só.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014


Deixa-me escutar o silêncio
Não te rias, não estou a brincar,
Ele murmura-me algo ao ouvido,
Algo importante que quero escutar.

Ele está repleto de sabedoria
Dá-me tolerância, sensatez e paz
Chega de incessante gritaria
Ouve o que de bom ele me traz

Sinto-o, mas não o sei explicar
O silêncio rodeia-me, aconchega-me
Embala-me e convida a ficar,
E num abraço apertado afaga-me

Porque fácil é trocar palavras
Difícil é o silêncio interpretar,
As mais lindas palavras são ditas
No profundo silêncio de um olhar!



Maria Dias

Este poema foi interpretado por Joana Tavares no "Boa Noite Silêncio"




O silêncio às vezes dói
Como se ninguém estivesse ali,
E o pior é que destrói,
O pior é que sinto que fugi…

Fugir das palavras naqueles momentos,
Que fazem falta, que são essenciais,
Nem que sejam simples lamentos,
Mas que se tornam cruciais

Cruciais para um entendimento,
Saltar a barreira, nem que seja por um triz,
Ultrapassar todo o sofrimento,
para tudo resolver, e se tentar viver feliz!




Maria Dias

No "Boa Noite Silêncio" mais um poema interpretado por João Borges Oliveira


Há dias em que as “palavras”
Não chegam para expressar
Os sentimentos,
Fica o silêncio….
Reflectido num olhar,
Sem ressentimentos,
Nada é preciso dizer,
Apenas sentir,
Transmitir,
Observar,
Não fugir,
Amar,
Ficar em comunhão,
O silêncio escutar,
Dar a mão
E sentir o coração!




Maria Dias

E foi assim mais um poema interpretado por João Borges Oliveira, no "Boa Noite Silêncio"



terça-feira, 28 de outubro de 2014


Sentada junto à porta, Carla não sabia o que fazer. Não sabia se devia entrar, ou se devia partir, naquele instante, só lhe restava ficar. E ali permanecia estática a pensar nele. A pensar no vazio do seu lugar. O vazio do aconchego, o vazio da ternura, o vazio do amor.
“Ai a falta que me fazes” suspirava ela. E eu sei que tu não querias partir, vi-o nos teus olhos, mas partiste! E ficou aquele lugar vazio, apenas cheio da saudade do teu calor. O teu calor que me embalava antes de adormecer. E agora como vou fazer? Sinto frio, um frio que dói, dói muito, e cá no fundo. Quem me vai sussurrar ao ouvido palavras ternas de embalar, quem me vai aquecer?”
E Carla ali estava, tendo como companhia, apenas o silêncio das palavras dele. O silêncio dos seus passos e o silêncio dos seus beijos.
“Como é que vou sobreviver? Naquele quarto só o silêncio permanece. Ele e eu. Receio enlouquecer com este silêncio que me envolve” - Continuava ela a pensar.

E ali permaneceu, sentada junto à porta, sem saber o que fazer!

Maria Dias




E foi assim mais um texto dito e encenado por Joana Tavares no "Boa Noite Silêncio" 



Nunca fui às Berlengas

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Aqui fica a minha página no Boletim da Arpic de Novembro 2014:

O CANTINHO DA POESIA, PENSAMENTOS,  CONTOS E OUTROS…..



Novembro é o mês do S.Martinho, por isso recordemos a Lenda de S.Martinho:

Martinho era um valente soldado romano, que estava a regressar de Itália para a sua terra, algures em França.

Montado no seu cavalo estava a passar num caminho para atravessar uma serra muito alta, os Alpes, e, lá no alto, fazia muito frio, vento e mau tempo.

Martinho estava agasalhado, tinha uma capa vermelha, que os soldados romanos normalmente usavam.







De repente, aparece-lhe um homem muito pobre, vestido de roupas velhas e rotas, cheio de frio e que lhe pediu esmola.

Infelizmente, Martinho não tinha nada para lhe dar. Então, pegou na espada, levantou-a e deu um golpe na sua capa. Cortou-a ao meio e deu metade ao pobre.

Nesse momento, de repente, as nuvens e o mau tempo desapareceram. Parecia que era Verão.

Foi como uma recompensa de Deus a Martinho por ele ter sido tão bom.


É por isso que todos os anos, nesta altura do ano, mesmo sendo Outono, durante cerca de alguns dias o tempo fica melhor e mais quente: é o chamado Verão de S.Martinho.















“Que o desejo de ajudar o próximo consiga sempre superar o egoísmo e falta de esperança no ser humano”











Maria Dias

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

"Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. 
Escrevo bem, silêncios, no plural.
Sim, porque não há um único silêncio.
E todo o silêncio é música em estado de gravidez."

Mia Couto

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

quarta-feira, 8 de outubro de 2014


Ela fechou os olhos, inclinou o rosto em direcção ao céu e deixou que a brisa marítima lhe fizesse cócegas nas pálpebras…gaivotas a conversar mais ao longe na praia, um insecto que passou junto ao seu ouvido, ondas suaves que batiam ritmadamente na praia. Foi avassalada por uma enorme sensação de serenidade ao fazer corresponder a respiração com o ritmo do mar. A chuva recente remexera a água salgada e o odor intenso misturava-se no vento.
Abriu os olhos e contemplou a paisagem com lentidão, achou maravilhoso, sentiu invadir-se por uma alegria imensa e pensou: “É isto o que os pássaros devem sentir quando voam por cima da praia”. Aquela alegria era como uma brisa suave. Um sentimento tão intenso e ao mesmo tempo tão simples.
Questionou-se sobre o porquê de complicarmos as coisas. Quis entender o porquê dos nossos olhos se gastarem no dia-a-dia, parecendo por vezes opacos, e quando isso acontece instala-se no nosso coração o monstro da indiferença.

Mas que ironia esta, a de tanto querermos e acabarmos por esquecer as coisas mais simples da vida, tão simples como a natureza, que se nos oferece simplesmente ao nosso olhar, para que dela desfrutemos e nos possamos sentir cheios de alegria por viver!

Maria Dias


Óleo s/Tela

domingo, 28 de setembro de 2014

Para o Boletim da Arpic de Outubro envio:


O CANTINHO DA POESIA, PENSAMENTOS,  CONTOS E OUTROS…..

Outubro, nova estação a começar, o Outono mostra a natureza a envelhecer, para mais tarde renascer. Mas no homem, as estações da vida têm um fim. Porém, uma vida pode renascer quando se abre o coração para o mundo…




A Confissão

Sara era uma criança alegre e com a cabeça sempre cheia de fantasias. Tinha um companheiro o Alex, um cão dócil e brincalhão, sempre pronto a acompanhá-la nas suas loucuras. Eram inseparáveis, quer nos momentos mais agitados, quer nos momentos calmos. É que Sara gostava de se sentar ao lado do Alex, e ao mesmo tempo que lhe fazia festas, apreciava a paisagem e deixava os pensamentos fluírem. 
Às vezes, aliás a maior parte das vezes, uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos mais atentos e limpos para o espectáculo do mundo.
A Sara vivia com os pais e a avó numa robusta casa de quinta, aninhada a um canto do prado, sendo a casa mais próxima a de uma mulher de meia-idade que vivia sozinha.
A casa era uma espécie de miradouro para uma longa paisagem de montanha, abrindo verdes perante a passarada que voava irrequieta por ali.
A vista era deslumbrante e por isso Sara passava horas sentada ao lado do seu fiel amigo, apreciando aquele quadro vivo e colorido, que lhe despertava a imaginação, dando-lhe asas, e só Alex a compreendia. Respeitava o seu silêncio, parecendo também contemplar a imensidão daqueles campos.
A vizinha de Sara era uma mulher amarga, solitária. Apenas trocava algumas palavras com a avó da Sara quando se cruzavam, palavras de ocasião ou cortesia, nada mais. Todos estranhavam a solidão daquela mulher, nem sequer lhe viam um animal de estimação como companhia. Até o Alex quando lhe rondava a casa se sentia agitado perante a mulher, pressentia que não era bem vindo ali, ía e vinha sem demora, mal a via aparecer à porta fugia. Aquela figura austera, de cara fechada para o mundo, assustava qualquer um. Mas o animal sentia curiosidade e voltava, aproximava-se devagar e sempre sem demora. Até que um dia foi ameaçado e ficou enraivecido. O diabo da mulher parecia que deitava faíscas pela boca e pelos olhos e o pau que trazia na mão revelava as suas intenções. O cão assustado fugia mais uma vez, mas prometia voltar …
Naquela manhã, Sara acordou e estranhou a ausência do Alex, “já foi dar o passeio matinal e não esperou por mim, mas já te apanho” pensou ela, ao mesmo tempo que decidiu despachar-se para sair pelos campos. Andou por lá toda a manhã e nem sinais do Alex, “já deve estar à minha espera à porta de casa” pensou e logo desatou a correr para casa. Mas Alex ainda não tinha chegado. Nesse dia não apareceu e Sara já começava a desesperar porque tal nunca acontecera antes.
E os dias foram passando e nem sinais do cão. Sara chorava, os pais não sabiam que lhe fazer, a avó chorava com ela, gostava muito do Alex, mas mais preocupada estava com a neta por a ver tão triste e abalada.
Decidiu ir a casa da vizinha perguntar se tinha visto o cão rondar por ali. Esta abriu-lhe a porta e manteve-se encostada enquanto escutava a velhota falar por entre lágrimas. A sua postura era a de uma mulher altiva, contra o mundo, alheia aos sentimentos humanos, sempre na defensiva. “Não vi cão nenhum por aqui, aliás nunca vi” disse entre dentes mais do que uma vez, ao mesmo tempo que fitava atentamente o rosto lívido da avó de Sara.
A avó de Sara teve a sensação de que aquela frase lhe soava a mentira, dita com tanta hesitação como se tivesse acabado de ser engendrada, estando a ser proferida tantas vezes que cada vez soava mais a falso. Foi embora cabisbaixa, como se levasse o mundo às costas, entrando em casa desiludida e amargurada.
Os dias foram passando sem novidades do Alex. Sara passava os dias a procurá-lo, apoderando-se dela uma tristeza sem fim. Perdeu o apetite e acabou por adoecer. Até que um dia desmaiou e tiveram que chamar uma ambulância.
A vizinha apercebeu-se do que se passava. Começou a andar nervosa, dormia mal, o pensamento que passara parte do dia a corroer-lhe o humor, até de noite a sobressaltava, sentia-se perdida. Virava-se de um lado para o outro, enquanto a sua mente não parava de esbarrar no problema. Tinha-se tornado num monstro capaz de tudo para se vingar da sua má sorte.
No dia seguinte ao cruzar-se com a avó de Sara, perguntou o que tinha acontecido e soube que a menina estava doente, com uma fraqueza muito grande, provocada pela falta de apetite e por tanta tristeza. Não conseguia reagir por não saber do Alex. A avó também parecia ter envelhecido alguns anos. A mulher ficou sem palavras. Via pela primeira vez na vida, o caminho pelo qual seguia a sua loucura destrutiva. Os remorsos começaram a ameaçá-la sem descanso.
Certo dia acordou e pensou “quando tudo o mais falha, é hora de dizer a verdade, é a única maneira de ter descanso”, o pior mesmo era arranjar coragem para o fazer… como seria possível confessar o que tinha feito, mas tinha que remediar o mal gerado à sua volta, como tinha sido possível ter-se transformado numa pessoa tão má, ela que nem sempre fora assim. Ninguém tinha culpa dos seus desgostos, que a atiraram para aquela solidão.
Ganhou coragem, começando logo ali a castigar-se pela maldade que tinha cometido e saiu para ir a casa de Sara. Foi a avó que lhe abriu a porta. Ficou a olhar para ela como se visse um fantasma e ficou estática sem saber o que aquele olhar queria dizer. Algo entre o desespero e o medo, mas acabou por balbuciar as primeiras palavras “Tenho uma confissão a fazer“ a avó de Sara nem conseguiu responder. E ela nem conseguiu falar. As lágrimas deslizavam pelo rosto, só o silêncio e o vazio se completavam. A avó de Sara mandou-a entrar. A mulher encostou-se à janela, branca como a parede, e a velhota acenou para que se sentasse. A sua intuição dizia-lhe que algo iria ser revelado e que era melhor acalmá-la para que ela não voltasse atrás.
Os pais de Sara estavam no hospital com ela, por isso só estavam ali as duas naquela casa que repousava num silêncio sepulcral.
A mulher começou a falar e ainda num modo claro e conciso conseguiu dizer “tenho que fazer uma confissão”… depois a voz embargou-se e o resto das palavras já não soavam de um modo claro, é que, seguir em frente não era assim tão fácil. A avó de Sara apercebeu-se e tentou ser amável para lhe facilitar a confissão. E foi então que a mulher, entre lágrimas, confessou ter envenenado o cão. Estava arrependida e não sabia como remediar o que tinha feito e sobretudo como ter o perdão de Sara. A velhota estava boquiaberta, e mais revoltada ainda por sentir pena da mulher que estava lavada em lágrimas.
Foram interrompidas pelo telefone, era a mãe de Sara a dizer que estavam a caminho de casa. A mulher ficou assustada e quis ir embora, mas a velhota aconselhou a que ficasse e que fizesse a mesma confissão a toda a família. Ela não teve força para a contrariar e ali ficou, trémula de medo, mas ao mesmo tempo a pensar que o que teria de ser feito, já estava a meio, teria que ter mais um pouco de coragem, depois logo se veria.
Quando Sara entrou em casa, ainda muito debilitada, e deu de caras com a mulher, agarrou-se à avó que lhe pediu que ficasse e que ouvisse a mulher. Esta voltou a repetir “tenho uma confissão a fazer” e entre lágrimas contou o que tinha feito. Sara chorava convulsivamente e só pediu para se ir deitar. A mulher ficou prostrada sem saber se a menina alguma vez lhe iria perdoar. Mas pelo menos já tinha confessado o mal que fez e isso já era meio caminho para encontrar um pouco de paz. No entanto precisava de compensar a menina pelo desgosto que lhe causara e isso era importante para ela ultrapassar tudo isto e foi para casa a pensar como poderia fazê-lo.
Decorreram alguns dias, Sara ía melhorando, mas todos esperavam por um sorriso e isso ainda não acontecera. A mulher visitava-a de vez em quando, levava-lhe livros de histórias, mas Sara nem lhes tocava. Queria perdoar à vizinha, mas não conseguia. Sabia que o facto de ela ter confessado, talvez merecesse perdão, mas era mais forte que ela.
Porém, naquele dia de Primavera, em que o Sol já brilhava na encosta, e os passarinhos chilreavam, a vizinha bateu à porta e pediu para falar com Sara. Trazia um ar de esperança no olhar e ficou a olhar para Sara com as mãos nos bolsos. Depois perguntou a Sara, “qual é a mão que tu queres escolher? A que está no bolso direito ou no bolso esquerdo?”  A menina não sabia bem o que pensar, mas deixou-se entrar no jogo e escolheu a mão direita. Qual não foi o seu espanto quando viu a mulher tirar do bolso um cãozinho tão pequenino, tão querido, ao qual a Sara não conseguiu resistir. A mulher disse-lhe “É teu”.
Sara finalmente esboçou um sorriso e conseguiu abraçar a mulher. O rosto desta iluminou-se de esperança, esperança de ter o perdão de Sara e de poder conquistar a sua amizade. Uma esperança de poder voltar a ser a mulher de outrora, talvez que a paz devolvida por aquela confissão possa significar um recomeço na sua vida.


Maria Dias

sábado, 20 de setembro de 2014

A Confissão

Sara era uma criança alegre e com a cabeça sempre cheia de fantasias. Tinha um companheiro o Alex, um cão dócil e brincalhão, sempre pronto a acompanhá-la nas suas loucuras. Eram inseparáveis, quer nos momentos mais agitados, quer nos momentos calmos. É que Sara gostava de se sentar ao lado do Alex,  e ao mesmo tempo que lhe fazia festas, apreciava a paisagem e deixava os pensamentos fluírem. 
Às vezes, aliás a maior parte das vezes, uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos mais atentos e limpos para o espectáculo do mundo.
A Sara vivia com os pais e a avó numa robusta casa de quinta, aninhada a um canto do prado, sendo a casa mais próxima a de uma mulher de meia-idade que vivia sozinha.
A casa era uma espécie de miradouro para uma longa paisagem de montanha, abrindo verdes perante a passarada que voava irrequieta por ali.
A vista era deslumbrante e por isso Sara passava horas sentada ao lado do seu fiel amigo, apreciando aquele quadro vivo e colorido, que lhe despertava a imaginação, dando-lhe asas, e só Alex a compreendia. Respeitava o seu silêncio, parecendo também contemplar a imensidão daqueles campos.
A vizinha de Sara era uma mulher amarga, solitária. Apenas trocava algumas palavras com a avó da Sara quando se cruzavam, palavras de ocasião ou cortesia, nada mais. Todos estranhavam a solidão daquela mulher, nem sequer lhe viam um animal de estimação como companhia. Até o Alex quando lhe rondava a casa se sentia agitado perante a mulher, pressentia que não era bem vindo ali, ía e vinha sem demora, mal a via aparecer à porta fugia. Aquela figura austera, de cara fechada para o mundo, assustava qualquer um. Mas o animal sentia curiosidade e voltava, aproximava-se devagar e sempre sem demora. Até que um dia foi ameaçado e ficou enraivecido. O diabo da mulher parecia que deitava faíscas pela boca e pelos olhos e o pau que trazia na mão revelava as suas intenções. O cão assustado fugia mais uma vez, mas prometia voltar …
Naquela manhã, Sara acordou e estranhou a ausência do Alex, “já foi dar o passeio matinal e não esperou por mim, mas já te apanho” pensou ela, ao mesmo tempo que decidiu despachar-se para sair pelos campos. Andou por lá toda a manhã e nem sinais do Alex, “já deve estar à minha espera à porta de casa” pensou e logo desatou a correr para casa. Mas Alex ainda não tinha chegado. Nesse dia não apareceu e Sara já começava a desesperar porque tal nunca acontecera antes.
E os dias foram passando e nem sinais do cão. Sara chorava, os pais não sabiam que lhe fazer, a avó chorava com ela, gostava muito do Alex, mas mais preocupada estava com a neta por a ver tão triste e abalada.
Decidiu ir a casa da vizinha perguntar se tinha visto o cão rondar por ali. Esta abriu-lhe a porta e manteve-se encostada enquanto escutava a velhota falar por entre lágrimas. A sua postura era a de uma mulher altiva, contra o mundo, alheia aos sentimentos humanos, sempre na defensiva. “Não vi cão nenhum por aqui, aliás nunca vi” disse entre dentes mais do que uma vez, ao mesmo tempo que fitava atentamente o rosto lívido da avó de Sara.
A avó de Sara teve a sensação de que aquela frase lhe soava a mentira, dita com tanta hesitação como se tivesse acabado de ser engendrada, estando a ser proferida tantas vezes que cada vez soava mais a falso. Foi embora cabisbaixa, como se levasse o mundo às costas, entrando em casa desiludida e amargurada.
Os dias foram passando sem novidades do Alex. Sara passava os dias a procurá-lo, apoderando-se dela uma tristeza sem fim. Perdeu o apetite e acabou por adoecer. Até que um dia desmaiou e tiveram que chamar uma ambulância.
A vizinha apercebeu-se do que se passava. Começou a andar nervosa, dormia mal, o pensamento que passara parte do dia a corroer-lhe o humor, até de noite a sobressaltava, sentia-se perdida. Virava-se de um lado para o outro, enquanto a sua mente não parava de esbarrar no problema. Tinha-se tornado num monstro capaz de tudo para se vingar da sua má sorte.
No dia seguinte ao cruzar-se com a avó de Sara, perguntou o que tinha acontecido e soube que a menina estava doente, com uma fraqueza muito grande, provocada pela falta de apetite e por tanta tristeza. Não conseguia reagir por não saber do Alex. A avó também parecia ter envelhecido alguns anos. A mulher ficou sem palavras. Via pela primeira vez na vida, o caminho pelo qual seguia a sua loucura destrutiva. Os remorsos começaram a ameaçá-la sem descanso.
Certo dia acordou e pensou “quando tudo o mais falha, é hora de dizer a verdade, é a única maneira de ter descanso”, o pior mesmo era arranjar coragem para o fazer… como seria possível confessar o que tinha feito, mas tinha que remediar o mal gerado à sua volta, como tinha sido possível ter-se transformado numa pessoa tão má, ela que nem sempre fora assim. Ninguém tinha culpa dos seus desgostos, que a atiraram para aquela solidão.
Ganhou coragem, começando logo ali a castigar-se pela maldade que tinha cometido e saiu para ir a casa de Sara. Foi a avó que lhe abriu a porta. Ficou a olhar para ela como se visse um fantasma e ficou estática sem saber o que aquele olhar queria dizer. Algo entre o desespero e o medo, mas acabou por balbuciar as primeiras palavras “Tenho uma confissão a fazer“ a avó de Sara nem conseguiu responder. E ela nem conseguiu falar. As lágrimas deslizavam pelo rosto, só o silêncio e o vazio se completavam. A avó de Sara mandou-a entrar. A mulher encostou-se à janela, branca como a parede, e a velhota acenou para que se sentasse. A sua intuição dizia-lhe que algo iria ser revelado e que era melhor acalmá-la para que ela não voltasse atrás.
Os pais de Sara estavam no hospital com ela, por isso só estavam ali as duas naquela casa que repousava num silêncio sepulcral.
A mulher começou a falar e ainda num modo claro e conciso conseguiu dizer “tenho que fazer uma confissão”… depois a voz embargou-se e o resto das palavras já não soavam de um modo claro, é que, seguir em frente não era assim tão fácil. A avó de Sara apercebeu-se e tentou ser amável para lhe facilitar a confissão. E foi então que a mulher, entre lágrimas, confessou ter envenenado o cão. Estava arrependida e não sabia como remediar o que tinha feito e sobretudo como ter o perdão de Sara. A velhota estava boquiaberta, e mais revoltada ainda por sentir pena da mulher que estava lavada em lágrimas.
Foram interrompidas pelo telefone, era a mãe de Sara a dizer que estavam a caminho de casa. A mulher ficou assustada e quis ir embora, mas a velhota aconselhou a que ficasse e que fizesse a mesma confissão a toda a família. Ela não teve força para a contrariar e ali ficou, trémula de medo, mas ao mesmo tempo a pensar que o que teria de ser feito, já estava a meio, teria que ter mais um pouco de coragem, depois logo se veria.
Quando Sara entrou em casa, ainda muito debilitada, e deu de caras com a mulher, agarrou-se à avó que lhe pediu que ficasse e que ouvisse a mulher. Esta voltou a repetir “tenho uma confissão a fazer” e entre lágrimas contou o que tinha feito. Sara chorava convulsivamente e só pediu para se ir deitar. A mulher ficou prostrada sem saber se a menina alguma vez lhe iria perdoar. Mas pelo menos já tinha confessado o mal que fez e isso já era meio caminho para encontrar um pouco de paz. No entanto precisava de compensar a menina pelo desgosto que lhe causara e isso era importante para ela ultrapassar tudo isto e foi para casa a pensar como poderia fazê-lo.
Decorreram alguns dias, Sara ía melhorando, mas todos esperavam por um sorriso e isso ainda não acontecera. A mulher visitava-a de vez em quando, levava-lhe livros de histórias, mas Sara nem lhes tocava. Queria perdoar à vizinha, mas não conseguia. Sabia que o facto de ela ter confessado, talvez merecesse perdão, mas era mais forte que ela.
Porém, naquele dia de Primavera, em que o Sol já brilhava na encosta, e os passarinhos chilreavam, a vizinha bateu à porta e pediu para falar com Sara. Trazia um ar de esperança no olhar e ficou a olhar para Sara com as mãos nos bolsos. Depois perguntou a Sara, “qual é a mão que tu queres escolher? A que está no bolso direito ou no bolso esquerdo?”  A menina não sabia bem o que pensar, mas deixou-se entrar no jogo e escolheu a mão direita. Qual não foi o seu espanto quando viu a mulher tirar do bolso um cãozinho tão pequenino, tão querido, ao qual a Sara não conseguiu resistir. A mulher disse-lhe “É teu”.

Sara finalmente esboçou um sorriso e conseguiu abraçar a mulher. O rosto desta iluminou-se de esperança, esperança de ter o perdão de Sara e de poder conquistar a sua amizade. Uma esperança de poder voltar a ser a mulher de outrora, talvez que a paz devolvida por aquela confissão possa significar um recomeço na sua vida.

Maria Dias