E amanhã na festa de aniversário da Editora Lua de Marfim, vai ser o lançamento da Antologia "No Mundo da Lua", na qual tive o privilégio de contribuir com um texto, que vou partilhar:
“No
mundo da Lua”
A
frase que mais ouço é esta: “Andas sempre com a cabeça no mundo da Lua”. Quero
lá saber do que dizem. Nunca me iriam compreender. O que os outros não sabem, é que quando viajo
até ao mundo da lua, sonho muito de olhos abertos, viajo muito, mas as minhas
viagens não são as mais comuns. Viajo para dentro de mim mesma, viajo no tempo.
Quando
eu estou “no mundo da Lua”, fico no silêncio, fecho os olhos e aí estou pronta
para partir.
Vou de viagem, uma viagem especial, uma viagem ao
passado. Uma viagem que dura o tempo que eu quiser. Deixo o meu pensamento
divagar por entre as recordações, até aos lugares mais recônditos da minha
memória.
O vagar chega-me a cada lembrança, sinto o início
de um sorriso. É um assalto aos meus sentidos, que desperta em mim momentos da
minha infância. Até nem precisava de fechar os olhos para ver tudo, para
receber aquele tempo, já sinto os cheiros, avanço devagar como se fosse o
presente, o presente absoluto, com a idade daquele instante, como se estivesse
lá. Então, estou pronta para reviver o momento, descanso os olhos no que me
rodeia.
Vejo a minha avó na cozinha, mulher pequenina,
mas sempre cheia de energia, ostentando aquele ar de luminosa serenidade. Está
de volta dos cozinhados e aí sinto aquele cheirinho tão bom da sua comida: “Oh
vó o que é o jantar? Por mim, podes fazer todos os dias o teu frango assado, ou
o teu arroz de bacalhau”. Hummm até sinto o paladar dos seus cozinhados….
Todas estas sensações aliam-se ao aroma do café acabado de fazer,
levando a que naquele instante a vida até pareça simples.
O cheiro da erva aquecida pelo Sol, entra pela
casa e enche o ar. São estes os cheiros que me transmitem paz e segurança.
Pela tarde, da janela observo a avó no jardim, falando com as
plantas, e penso na beleza que é, ela deixar-se fascinar pelas coisas mais
simples da vida. Vejo-a sorrir, um sorriso rasgado que demonstra felicidade.
Ah mas agora fico ansiosa pelos serões. Esses
momentos tão intensos passados à volta daquela mesa com a “braseira”…..as
histórias da avó, cheias de mistério, lendas de encantar que fazem a minha
cabecinha sonhar… e só quando os olhos já não querem continuar abertos eu cedo
a ir para a cama.
A magia daqueles momentos trazem-me memórias tão
ternas, tão intensas, como se estivesse lá neste momento, com a mesma idade,
com os mesmos sentimentos, e o melhor de tudo, é a sensação tão real de estar
com a minha avó ao meu lado.
Mesmo que as palavras se misturem e atirem ao ar
o livro da vida e as páginas se baralhem, jamais podendo voltar a ser ordenadas
de modo a contar a mesma história, tenho memórias vividas, que me fazem feliz.
Então estou pronta, matei a saudade e levo em mim
aquilo que sou. Posso regressar dessa viagem, ainda com aquela criança em mim.
Sabem, o passado, os laços da família constituem aquilo que somos. Todas as
pessoas são moldadas por elementos que não se podem controlar, traços herdados,
traços aprendidos.
E chego à conclusão que, por vezes, é tão
irresistível, ter a cabeça “no mundo da lua”.
Maria Dias
Novembro
2013
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