O CANTINHO
DA POESIA, PENSAMENTOS, CONTOS E
OUTROS…..
Janeiro/Fevereiro
Quem nunca teve um
pressentimento? Quem nunca teve uma sensação de algo que vai acontecer e que
depois acontece mesmo…..
Aqui partilho um conto
publicado na Colectânea “Premonições”, lançada a 1 de
Fevereiro de 2015:
Naquela
aldeia pacata, os dias decorriam sempre iguais. Parece que nada acontecia.
Quando se começou a comentar que a ti Albertina ia receber a visita de uma
sobrinha, à curiosidade, juntaram-se as conversas no adro da igreja:
- “Atão
parece q’uma sobrinha da ti Albertina vem cá à terra”
- “Eu cá
na sei bem, mas ouvin dinzer que sim. Vem tomar conta da velhota que já na sabe
muito bem o que faz”
- Atão,
mas vem viver cá prá terra?
- Na sei,
mas tamém ouvin dinzer, ca rapariga na é lá muito boa da cabeça
- Ás
tantas o vizinho da ti Albertina ainda se vai embeiçar pela rapariga...
- O
vizinho da ti Albertina? Quem?
- Aquele
que faz móveis, o carapinteiro, o que é solteiro
- Ah
esse, o Joaquim
- Ora
ora, atão mas vocemessê na diz ca rapariga na é la muito boa da cabeça, Quem
vai querer uma rapariga assim, para casar?”
E os
rumores corriam, como conversas animadas, entre os velhotes da aldeia.
Passados
uns dias, a Luana chegou à aldeia. Assim se chamava, porque nasceu em noite de
Lua Cheia. E na verdade, Luana andava sempre com a cabeça na Lua. Era uma
rapariga estranha, tímida, e que apreciava a solidão.
Com a
morte da mãe, tinha ficado sozinha na grande cidade e só lhe restava aquela
tia, a Albertina. Por isso, decidiu viajar até casa da tia, até à aldeia, até
ao sossego, que ela tanto apreciava.
Era uma
rapariga franzina, de poucas falas, sempre alheia a tudo o que a rodeava; usava
óculos de lentes redondas que lhe ampliavam o olhar, conferindo-lhe um ar ainda
mais estranho.
Quem
estava contente era a ti Albertina, já que passava a ter companhia e assim
acabava-se a solidão.
Luana
instalou-se então de vez, em casa da tia. Não demorou muito para que as gentes
da aldeia confirmassem que a rapariga não era “normal”, como se dizia, é que,
parece que adivinhava as coisas, se calhar era “Bruxa”. E foi assim que começou
a ser conhecida: A Bruxinha
Na
verdade, Luana desde pequenina que pressentia coisas que iam acontecer. Tinha
sonhos que mais tarde se concretizavam, ou pressentimentos de factos que
acabavam sempre por acontecer.
Quando ia
à Igreja era olhada de lado, mas a sua postura era a de uma rapariga desejosa
de se mostrar à vontade, e não como uma rapariga na posse de tudo o que escapa
aos seres humanos normais.
Os dias
foram passando. Luana tomava conta da casa, já que a tia não tinha mais cabeça
para o fazer. E gostava de passear pelos montes, isolando-se, como era seu
costume.
Até que
andava feliz, porque deixara de ter “aquelas coisas, aqueles avisos”, como ela
lhes chamava. Assim sentia-se mais à vontade e mais “normal”.
Corria o
rumor das suas “Adivinhações”, como dizia o povo, mas o que é facto é que,
ainda ninguém dera por nada.
Na aldeia
surgia algo para quebrar a monotonia. Obras no telhado da Igreja. Então para
esquecer um pouco as conversas sobre Luana “A Bruxinha”, os homens ficavam
sentados à sombra a ver como decorriam os trabalhos. A Igreja, quase sem
telhado, dava motivo de curiosidade a quem passava.
Para Luana os dias seguiam calmos. O pior
mesmo, eram as noites. Qualquer ruido ganhava uma qualidade excessiva, as
sombras oscilavam sem motivo e, sozinha no quarto, ela sucumbia aos pesadelos.
Naquele
Domingo e àquela hora já a Igreja estava cheia de gente, quando recomeçou a
chover torrencialmente.
Começara
a chover na tarde do dia anterior. Subitamente, o dia quente escureceu e o céu
começou a aplaudir e a roncar. As obras pararam.
Luana
sentia-se agitada, sem razão aparente. As noites até então, límpidas e
inundadas de ócio e de soturna expectativa, deram lugar a noites longas e
exaustas. A exaustão era uma lente através da qual, ela tinha a tendência para
olhar a vida como um fracasso e, ver para além dela, com uma postura crua,
hipersensível. Talvez fosse uma perceção ultrassensível, mas algo se anunciava
na sua mente. Só não sabia o quê.
A tia,
pressentindo a sua agitação, tentou saber o que se passava. Mas Luana encolhia
ligeiramente os ombros, parecendo estar a dissimular a sua expressão, de modo a
denunciar os seus pressentimentos, o menos possível.
Naquela
noite, voltou a agitação e foi então que sonhou com uma tempestade enorme,
vendo a Igreja cheia de gente. Avistou um corvo, que a assustou
verdadeiramente. Sabia que não era um bom agoiro. Já tinha ouvido dizer que os
corvos não deixam que um dos seus morra sozinho, cheirava-lhe a morte.
Acordou
com suores frios e incapaz de se levantar com a agilidade do costume. E o pior
é que era Domingo, dia de ir à missa. O tempo não ajudava, as nuvens cada vez
mais densas, conferiam à aldeia uma atmosfera de crepúsculo invernal.
A tia ia
ficar em casa, porque a chuva recomeçava a cair e o céu continuava a roncar.
Luana
saiu para a rua. Apertou o casaco, o vento era forte, enfiou ainda mais as mãos
nos bolsos do casaco e precisou de todas as suas forças para manter o
equilíbrio. Seguiu o caminho sem saber como, sempre com um tremor no lábio
inferior, debatendo-se para controlar a respiração irregular.
A chuva
continuava a açoitar as ruas, agora desertas e encharcadas, apenas a sua
silhueta sombria se dirigia para a Igreja, determinada a impedir a desgraça que
pressentia estar iminente. A água engrossava e os trovões rasgavam o céu, e os
relâmpagos iluminavam a rua. Era assustador.
Luana
conseguiu chegar à Igreja e ficou em estado de choque, sem disso ter a noção,
ao ver a igreja cheia de gente. Tinha que mandar sair aquela gente antes que a
desgraça se concretizasse. Mas ninguém lhe daria ouvidos, ela sabia-o. O céu
por cima da Igreja ribombou ameaçadoramente, dando lugar a uma impressionante
tempestade. A chuva a cair em cima da chapa provisória fazia um ruido
assustador.
Impulsionada
pela ambivalência do medo que a apavorava, e pela força da sua coragem,
aturdida, desatou a gritar:
- Fujam,
fujam, fujam rápido que o telhado vai cair
As
pessoas assustadas, impulsivamente, desataram a correr para fora da Igreja,
esquecendo a chuva que caía. Em boa hora o fizeram, porque não demorou muito a
que o telhado desabasse….
No meio
daquela confusão, Luana correu para casa. A sua missão estava cumprida. Agora
sentia um alívio que lhe enchia a alma de felicidade. Tinha conseguido impedir
aquela desgraça, prevista em sonho.
No dia
seguinte, o céu acalmou a sua raiva, as nuvens partiram, a chuva deu lugar a um
Sol radioso; as obras voltaram a arrancar.
Na aldeia
não se falava noutra coisa a não ser de Luana e do seu grito que os salvou de
terem ficado debaixo do telhado.
Luana
passara de bruxa a heroína daquela aldeia. Mas a palavra “Heroína” nada
significava para a rapariga. Significava sim, e muito, o facto de lhe terem
agradecido. Ela não se lembrava, de alguma vez na vida, alguém lhe ter
agradecido o que quer que fosse. Sabia que, nem que vivesse cem anos, jamais
esqueceria os olhares de gratidão que lhe tinham lançado. E isso bastava para a
fazer feliz!
Maria Dias
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