"PREMONIÇÕES"
Naquela aldeia pacata, os
dias decorriam sempre iguais. Parece que nada acontecia. Quando se começou a
comentar que a ti Albertina ia receber a visita de uma sobrinha, à curiosidade,
juntaram-se as conversas no adro da igreja:
- “Atão parece q’uma
sobrinha da ti Albertina vem cá à terra”
- “Eu cá na sei bem, mas
ouvin dinzer que sim. Vem tomar conta da velhota que já na sabe muito bem o que
faz”
- Atão, mas vem viver cá prá
terra?
- Na sei, mas tamém ouvin dinzer,
ca rapariga na é lá muito boa da cabeça
- Ás tantas o vizinho da ti
Albertina ainda se vai embeiçar pela rapariga...
- O vizinho da ti Albertina?
Quem?
- Aquele que faz móveis, o
carapinteiro, o que é solteiro
- Ah esse, o Joaquim
- Ora ora, atão mas vocemessê
na diz ca rapariga na é la muito boa da cabeça, Quem vai querer uma rapariga
assim, para casar?”
E os rumores corriam, como
conversas animadas, entre os velhotes da aldeia.
Passados uns dias, a Luana
chegou à aldeia. Assim se chamava, porque nasceu em noite de Lua Cheia. E na verdade,
Luana andava sempre com a cabeça na Lua. Era uma rapariga estranha, tímida, e
que apreciava a solidão.
Com a morte da mãe, tinha
ficado sozinha na grande cidade e só lhe restava aquela tia, a Albertina. Por
isso, decidiu viajar até casa da tia, até à aldeia, até ao sossego, que ela
tanto apreciava.
Era uma rapariga franzina,
de poucas falas, sempre alheia a tudo o que a rodeava; usava óculos de lentes
redondas que lhe ampliavam o olhar, conferindo-lhe um ar ainda mais estranho.
Quem estava contente era a
ti Albertina, já que passava a ter companhia e assim acabava-se a solidão.
Luana instalou-se então de
vez, em casa da tia. Não demorou muito para que as gentes da aldeia
confirmassem que a rapariga não era “normal”, como se dizia, é que, parece que
adivinhava as coisas, se calhar era “Bruxa”. E foi assim que começou a ser
conhecida: A Bruxinha
Na verdade, Luana desde
pequenina que pressentia coisas que iam acontecer. Tinha sonhos que mais tarde
se concretizavam, ou pressentimentos de factos que acabavam sempre por
acontecer.
Quando ia à Igreja era
olhada de lado, mas a sua postura era a de uma rapariga desejosa de se mostrar
à vontade, e não como uma rapariga na posse de tudo o que escapa aos seres
humanos normais.
Os dias foram passando.
Luana tomava conta da casa, já que a tia não tinha mais cabeça para o fazer. E
gostava de passear pelos montes, isolando-se, como era seu costume.
Até que andava feliz, porque
deixara de ter “aquelas coisas, aqueles avisos”, como ela lhes chamava. Assim
sentia-se mais à vontade e mais “normal”.
Corria o rumor das suas
“Adivinhações”, como dizia o povo, mas o que é facto é que, ainda ninguém dera
por nada.
Na aldeia surgia algo para
quebrar a monotonia. Obras no telhado da Igreja. Então para esquecer um pouco as
conversas sobre Luana “A Bruxinha”, os homens ficavam sentados à sombra a ver
como decorriam os trabalhos. A Igreja, quase sem telhado, dava motivo de
curiosidade a quem passava.
Para Luana os dias seguiam calmos. O pior mesmo,
eram as noites. Qualquer ruido ganhava uma qualidade excessiva, as sombras
oscilavam sem motivo e, sozinha no quarto, ela sucumbia aos pesadelos.
Naquele Domingo e àquela
hora já a Igreja estava cheia de gente, quando recomeçou a chover
torrencialmente.
Começara a chover na tarde
do dia anterior. Subitamente, o dia quente escureceu e o céu começou a aplaudir
e a roncar. As obras pararam.
Luana sentia-se agitada, sem
razão aparente. As noites até então, límpidas e inundadas de ócio e de soturna
expectativa, deram lugar a noites longas e exaustas. A exaustão era uma lente
através da qual, ela tinha a tendência para olhar a vida como um fracasso e,
ver para além dela, com uma postura crua, hipersensível. Talvez fosse uma perceção
ultrassensível, mas algo se anunciava na sua mente. Só não sabia o quê.
A tia, pressentindo a sua
agitação, tentou saber o que se passava. Mas Luana encolhia ligeiramente os
ombros, parecendo estar a dissimular a sua expressão, de modo a denunciar os
seus pressentimentos, o menos possível.
Naquela noite, voltou a agitação
e foi então que sonhou com uma tempestade enorme, vendo a Igreja cheia de
gente. Avistou um corvo, que a assustou verdadeiramente. Sabia que não era um
bom agoiro. Já tinha ouvido dizer que os corvos não deixam que um dos seus
morra sozinho, cheirava-lhe a morte.
Acordou com suores frios e
incapaz de se levantar com a agilidade do costume. E o pior é que era Domingo,
dia de ir à missa. O tempo não ajudava, as nuvens cada vez mais densas,
conferiam à aldeia uma atmosfera de crepúsculo invernal.
A tia ia ficar em casa,
porque a chuva recomeçava a cair e o céu continuava a roncar.
Luana saiu para a rua.
Apertou o casaco, o vento era forte, enfiou ainda mais as mãos nos bolsos do
casaco e precisou de todas as suas forças para manter o equilíbrio. Seguiu o
caminho sem saber como, sempre com um tremor no lábio inferior, debatendo-se
para controlar a respiração irregular.
A chuva continuava a açoitar
as ruas, agora desertas e encharcadas, apenas a sua silhueta sombria se dirigia
para a Igreja, determinada a impedir a desgraça que pressentia estar iminente. A
água engrossava e os trovões rasgavam o céu, e os relâmpagos iluminavam a rua.
Era assustador.
Luana conseguiu chegar à
Igreja e ficou em estado de choque, sem disso ter a noção, ao ver a igreja
cheia de gente. Tinha que mandar sair aquela gente antes que a desgraça se
concretizasse. Mas ninguém lhe daria ouvidos, ela sabia-o. O céu por cima da
Igreja ribombou ameaçadoramente, dando lugar a uma impressionante tempestade. A
chuva a cair em cima da chapa provisória fazia um ruido assustador.
Impulsionada pela
ambivalência do medo que a apavorava, e pela força da sua coragem, aturdida,
desatou a gritar:
- Fujam, fujam, fujam rápido
que o telhado vai cair
As pessoas assustadas,
impulsivamente, desataram a correr para fora da Igreja, esquecendo a chuva que
caía. Em boa hora o fizeram, porque não demorou muito a que o telhado
desabasse….
No meio daquela confusão,
Luana correu para casa. A sua missão estava cumprida. Agora sentia um alívio
que lhe enchia a alma de felicidade. Tinha conseguido impedir aquela desgraça,
prevista em sonho.
No dia seguinte, o céu
acalmou a sua raiva, as nuvens partiram, a chuva deu lugar a um Sol radioso; as
obras voltaram a arrancar.
Na aldeia não se falava
noutra coisa a não ser de Luana e do seu grito que os salvou de terem ficado
debaixo do telhado.
Luana passara de bruxa a
heroína daquela aldeia. Mas a palavra “Heroína” nada significava para a
rapariga. Significava sim, e muito, o facto de lhe terem agradecido. Ela não se
lembrava, de alguma vez na vida, alguém lhe ter agradecido o que quer que
fosse. Sabia que, nem que vivesse cem anos, jamais esqueceria os olhares de
gratidão que lhe tinham lançado. E isso bastava para a fazer feliz!
Maria
Dias
Adorei, querida amiga!
ResponderEliminarEste conto tem tudo a ver comigo. Acredito e até tenho vivido algumas premonições mas é difícil viver com isso.
Parabéns!