terça-feira, 9 de julho de 2019

Saudade




O céu abriu-se e martelou a terra, bombardeando um tapete de poças silenciosas, como a memória bombardeia mentes silenciosas. A erva parecia satisfeita no seu verde húmido. A chuva começou a bater nas vidraças e o vento a assobiar com ritmo. Ela permaneceu sentada a olhar o vazio, as lágrimas embaciavam-lhe os óculos e tremiam-lhe no queixo como gotas de chuva no beiral. Aquela dor doía-lhe bem fundo. O rosto parecia pedra, mas as lágrimas continuavam a rolar pelas faces rígidas. O seu coração transbordava de “saudade”, uma saudade sem resposta e por isso se transformava num pequeno rio a brotar dos seus olhos.

De súbito, bateram à porta e ela ficou alguns segundos sem se mexer, sentia-se tão rígida que nem sabia se era capaz de se levantar. Voltaram a bater e então ela deu um salto e arrastou-se finalmente.

Com uma carta na mão, tremia dos pés à cabeça, hesitante entre abri-la ou se sentar primeiro. E assim demorou mais uns minutos, trémula de hesitação, amedrontada pela expectativa do seu conteúdo. Sentou-se primeiro, acomodou-se, ajeitou os óculos, suspirou ….Entretanto a chuva parou, o vento amainou e os olhos dela secaram, na esperança de voltarem a sorrir.

Aquela carta, já aberta, tremia-lhe nas mãos, tanto que, nem conseguia ler direito e só quando os seus olhos pararam naquela linha mais curta que as restantes, naquelas duas pequenas palavras, ela conseguiu continuar a ler.

Lá fora a chuva tinha parado e até o Sol voltava a espreitar de encontro à janela. O seu rosto já não estava rígido, porque dos seus lábios surgia agora um sorriso; já conseguia ler tudo, mas o seu olhar ficava parado e deliciado apenas naquelas palavras mágicas: Amo-te mãe!



In "Abraço-te" 

Maria Dias
Maio 2012





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