Saudade
O céu abriu-se e martelou a terra, bombardeando um tapete de poças
silenciosas, como a memória bombardeia mentes silenciosas. A erva pareceu
satisfeita no seu verde húmido…. A chuva começou a bater nas vidraças e o vento
a assobiar com ritmo. Ela permaneceu sentada a olhar o vazio, as lágrimas
escorriam-lhe por trás dos óculos e tremiam-lhe no queixo como gotas de chuva
no beiral. Aquela dor doía--lhe bem fundo. O rosto parecia pedra, mas as
lágrimas continuavam a rolar pelas faces rigidas. O seu coração transbordava de
saudade, uma saudade sem resposta e por isso se transformava num pequeno rio a
brotar dos seus olhos.
Mas de súbito bateram à porta e ela ficou alguns segundos sem se
mexer, sentia-se tão rigida que nem sabia se era capaz de se levantar. Voltaram
a bater e então ela deu um salto e arrastou-se finalmente.
Com uma carta na mão, tremia dos pés à cabeça, hesitante entre o
abri-la ou se sentar primeiro. E assim demorou mais uns minutos, trémula de
hesitação, amedrontada pela expectativa do seu conteúdo. Sentou-se primeiro,
acomodou-se, ajeitou os óculos, suspirou ….Entretanto a chuva parou, o vento
amainou e os olhos dela secaram, na esperança de voltarem a sorrir.
Aquela carta, já aberta, tremia-lhe nas mãos, tanto que nem
conseguia ver uma linha direita sequer…..e só quando o seus olhos poisaram
naquela linha mais curta que as restantes, naquelas duas breves palavras…. ela
conseguiu continuar a ler.
Lá fora a chuva tinha parado e até o Sol voltava a espreitar de
encontro à janela. Um passarinho poisava e chilreava no parapeito da janela. O
seu rosto já não estava rigido, porque dos seu lábios surgia agora um
sorriso….Já conseguia ler tudo…mas o seu olhar ficava parado e deliciado apenas
naquelas palavras mágicas: Amo-te mãe!
Maria Dias
Maio 2012
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